sábado, 24 de abril de 2010

Igreja Católica como bode expiatório

"Sejam sinceros: quando existem escândalos sexuais na Igreja Católica, eles não são apenas escândalos sexuais pontuais e localizados. Esses escândalos, que existem em todo o lado (e em todas as denominações religiosas), bebem diretamente no patrimônio literário e anticatólico do Ocidente.

O caso é agravado pela arcana questão do celibato. No mundo moderno e hipersexualizado em que vivemos, o celibato não é visto como uma opção pessoal (e espiritual) legítima e respeitável. O celibato só pode ser tara; só pode ser um convite ao desvio; só pode ser pedofilia. Esses saltos lógicos são tão comuns que já nem horrorizam ninguém.

Ou horrorizam? Philip Jenkins é uma exceção e o seu “Pedophiles and Priests: Anatomy of a Contemporary Crisis” (Oxford, 214 págs.) é o mais exaustivo estudo sobre os escândalos sexuais que sacudiram a Igreja Católica nos Estados Unidos durante a dé cada de 1990.

Jenkins não nega o óbvio: que existiram vários abusos; e, mais, que as autoridades eclesiásticas falharam na detecção ou denúncia dos mesmos.
Porém, Jenkins é rigoroso ao mostrar como os crimes foram amplificados de forma desproporcionada com o objetivo de cobrir toda a instituição com cores da infâmia.

Padres católicos cometem crimes sexuais? Fato. Mas esses crimes, explica Jenkins, existem em proporção idêntica nas outras denominações religiosas (e não celibatárias). A única diferença é que, sendo o número de padres católicos incomparavelmente superior ao número de pastores de outras igrejas; e estando os crimes de pedofilia disseminados pela população adulta, será inevitável que exista um maior número de casos entre o clérigo católico.

Como explicar, então, que as atenções mediáticas sejam constantemente voltadas para os suspeitos do costume?
Jenkins não é alheio à dimensão “literária” do ant icatolicismo ocidental; muito menos à hipersexualização moderna, que vê na doutrina sexual da igreja um anacronismo e, em certos casos, uma ameaça.

Mas o autor vai mais longe e revela como a amplificação dos crimes é, muitas vezes, promovida por facções dissidentes dentro da própria Igreja Católica que esperam assim conseguir certas vitórias “culturais” (o fim do celibato, a ordenação de mulheres para o sacerdócio etc.) pela disseminação de uma imagem de corrupção endêmica. “A maior ameaça à sobrevivência da igreja desde a Reforma”, escreve Jenkins, citando as incontáveis reportagens que repetiam essa bovinidade.

Isso significa que os crimes das últimas semanas na Europa podem ser desculpados ou justificados? Pelo contrário: esses crimes não têm desculpa nem justificação. E é de saudar que o papa Bento 16, em atitude inédita, tenha escrito uma carta plena de coragem e dignidade ao clérigo irlandês, condenando os abusadores, pedind o perdão às vítimas e esperando que a justiça faça o seu caminho.

Mas não é apenas a justiça que tem de fazer o seu caminho. O jornalismo preguiçoso também deveria trilhar o seu, separando a histeria anticatólica da verdade criminal.

Um contributo: para ficarmos no país de Ratzinger, existiram na Alemanha, desde 1995, 210 mil denúncias de abusos a menores. Dessas 210 mil, 300 lidaram com padres católicos. Ou seja, menos de 0,2%. Será isso a maior ameaça à sobrevivência da igreja desde a Reforma?"

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O termo bode expiatório, amplamente usado por Girard, remonta à uma antiga tradição judaica (Lv, 16), quando um bode era escolhido para ser sacrificado como expiação pelos pecados de toda a comunidade. Hoje, ao usarmos a expressão bode expiatório queremos simplesmente nos referir a uma pessoa que é escolhida arbitrariamente para pagar pelos males que assolam uma determinada comunidade. Em muitas cidades gregas existia o pharmakon, que era alguem, muitas vezes um estrangeiro ou deficiente físico, escolhido para salvar a pólis em momento de grande crise. O pharmakon era levado à praça pública e executado, devolvendo à pólis a harmonia perdida. Já Édipo (Édipo Rei, Sófocles), ao ser responsabilizado pelos males que assolavam a cidade de Tebas é o bode expiatório por excelência da mitologia. O mesmo acontecerá a Jesus de Nazaré. Pilatos, embora tivesse certeza da sua inocência (Lc 23, 13-25), ainda assim entrega-o à morte uma vez que, político que era, tinha consciência de que essa era a única maneira para acalmar a multidão ávida por sangue, muito embora se tratasse do sangue de um justo. Para ficar mais claro o papel desse bode, Girard, citando Emmauel Lévinas nos lembra que “Se toda a gente se puser de acordo para condenar um acusado, libertem-no, pois deve estar inocente”, e recorda, agora ele próprio, que “a unanimidade nos grupos humanos raramente guarda a verdade; é, a maior parte das vezes, um fenômeno mimético tirânico.” Nelson Rodrigues, que não conhecia Lévinas nem muito menos Girard, numa de suas tiradas espetaculares disse que “toda unanimidade é burra.” (Tarzan Leão)

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