segunda-feira, 22 de fevereiro de 2010

Dramaturgia & Psicologia



Trecho de uma troca de e-mail entre eu e um colega dramaturgo. Notem como as estruturas da dramaturgia podem nos ajudar a entender (em partes) o comportamento humano; talvez todo dramaturgo tenha dentro de si um lado psicoterapeuta; assim explica o fascinio que desperta em nós o mundo do cinema e da TV.

"Caro Colega,

...pensei no seguinte sobre o que você comentou: Já notou que em vários seriados (ou filmes), a estrela, o que faz sucesso, o desejável, é aquele que faz o papel do 'outsider', do que não se enquadra no 'esquemão'? O que se dá bem, o bom rapaz, é sempre aquele que seguiu a sua própria 'filosofia de vida'? O 'maria-vai-com-as-outras' acaba se dando mal, ou na melhor das hipóteses, fica meio como figurante nas relações.

Agora minha questão é a seguinte: Isso se manifesta através de uma projeção de Duplo Angélico do próprio autor/criador para com o personagem que ele escreve? É o autor da obra dando vida para o mundo da forma como ele gostaria que fosse? Um mundo justo e correto para com o bom rapaz, para aquele que não se entrega a burrice (ou maldade) do outro? A fama de inteligente, de genial (Dr. House), ou a do rapaz que tem fama de correto, humilde, de justo, e que desperta o verdadeiro amor na linda mocinha (Gossip Girl), é projeção do autor/criador que faz uma espécie de 'justiça com as próprias mãos'?

Obrigado."

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"Caro André,

Essa estrutura, que girardianamente podemos chamar de "estrutura
paranóica", é muito comum nas narrativas (dramáticas ou em prosa). O sujeito bom e incompreendido luta contra o mundo mau. Ele é lindo, mas ninguém sabe - esse é o dilema das histórias de super-heróis, em que o protagonista tem aquela dupla identidade, ora um fracassado, ora um sujeito que voa, tem raio laser nos olhos etc. Isso não é nem um pouco diferente, em termos de estrutura, de uma mulher que se sente feia e ridícula, mas que, ao colocar seus sapatos de centenas de dólares, acha que pode conquistar o mundo. As narrativas querem mostrar que a versão "super" é a verdadeira, que "se você me visse assim, você me veria realmente, e então você admitiria que eu sou muito melhor do que você".

Por isso, é claro que a forma mais infantil de narrativa é a mera projeção do duplo angélico: o protagonista derrota sem problemas seus adversários. Depois, vem o duplo angélico problemático, isto é, 'como vou convencer o mundo de que sou lindo e perfeito, que eu sou o modelo que deve ser imitado?'.
(...)"

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