segunda-feira, 2 de novembro de 2009

Ver olhar enxergar



Por Daniel Piza

Há alguns anos, sentado no jardim do Museu Rodin, de frente para uma das réplicas grandes de O Pensador, reparei que muitas pessoas se aproximavam e logo tratavam de imitar sua posição, apoiando o cotovelo na coxa e o queixo na mão e olhando para baixo. Das vinte que contei, apenas uma se deu conta de que, instintivamente, tinha feito errado: todas as demais apoiaram o cotovelo direito na coxa direita – e não na esquerda, como na escultura. Além disso, invariavelmente fecharam a mão, quando na realidade os dedos estão esticados. As diferenças estão longe de ser detalhe. A chave do estilo de Rodin – aquilo que o separa do classicismo – é a tensão, expressa sobretudo na angulosidade de suas formas e na irregularidade de sua superfície. Ele trabalhava sempre com situações no limite do equilíbrio e, por isso, a meu ver, a dinâmica de volumes do corpo feminino foi (com trocadilho) seu maior campo de estudos.

Que uma das imagens mais surradas da história da arte – um “ícone”, como se usa e abusa hoje, desvirtuando o significado original do termo (representação sagrada, na religião; ou representação fisicamente semelhante ao objeto, na semiótica) – não seja devidamente apreendida por inúmeros observadores é um fato relevante para estes tempos que se dizem “Era Visual”. O Pensador, a propósito, não foi concebido isoladamente por Rodin (que acaba de ganhar belo museu em Salvador, com projeto de Marcelo Ferraz e Francisco Fannucci, e mais uma exposição em São Paulo, no Masp), mas como parte de A Porta do Inferno, no alto da qual está como Dante a meditar sobre os infortúnios humanos.Também sua testa está franzida, seus músculos retesados e seus artelhos dobrados. Tirar sua tensão dramática é tirar o que tem de substancial.

O objetivo da figura, enfim, não era caricaturizar o ato do pensamento; era traduzir sua dor e a individualidade dessa dor.
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(É mais ou menos isso que quero dizer quando escrevo sobre as pessoas que olham mas não enxergam além do obvio.)

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