segunda-feira, 14 de junho de 2010

Infantilização

Jose Ortege y Gasset escreveu 'A Rebelião das Massas' entre 1927 e 1930; lendo essa obra fiquei impactado pela atualidade das informações, como se a obra fosse destinada para esse nosso atual tempo;

"O que realmente me parece evidente é que nosso tempo se caracteriza pelo extremo predomínio dos jovens. É surpreendente que em povos tão velhos como os nossos, e depois de uma guerra mais triste que heróica, toma a vida de repente um aspecto de triunfante juventude. Na realidade, como tantas outras coisas, este império dos jovens vinha se preparando desde 1890, desde o fin de siècle. Hoje de um lugar, amanhã de outro, foram desalojadas a madureza e a ancianidade: em seu oposto se instalava o homem jovem com seus peculiares atributos.

Eu não sei se este triunfo da juventude será um fenômeno passageiro ou uma atitude profunda que a vida humana tomou e que chegará a qualificar toda uma época. E preciso que passe algum tempo para poder aventurar este prognóstico. O fenômeno é demasiado recente e ainda não se pode ver se esta nova vida in modo juventutis será capaz do que depois direi, sem o que não é possível a perduração de seu triunfo. Mas se fossemos atender só ao aspecto do momento atual, seremos forçados a dizer: tem havido na história outras épocas em que predominaram os jovens, mas nunca, entre as bem conhecidas, (104) o predomínio tem sido tão extremado e exclusivo. Nos séculos clássicos da Grécia, a vida toda organiza-se em torno do efebo, mas junto a ele, e como potência compensatória, está o homem maduro que o educa e dirige. A parelha Sócrates-Alcibíades simboliza muito bem a equação dinâmica de juventude e madureza desde o século V no tempo de Alexandre. O jovem Alcibíades triunfa sobre a sociedade, mas sob condição de servir ao espírito que Sócrates representa. Deste modo, a graça e o vigor juvenis são postos a serviço de algo acima deles, que lhes serve de norma, de incitação e de freio.
(...)
Nas gerações anteriores a juventude vivia preocupada com a madureza. Admirava os maiores, recebia deles as normas - em arte, ciência, política, usos e regime de vida -, esperava sua aprovação e temia seu enfado. Só se entregava a si mesma, ao que é peculiar a tal idade, subrepticiamente e como à margem. Os jovens sentiam sua própria juventude como uma transgressão do que é devido. Objetivamente se manifestava isto no fato de que a vida social não estava organizada em vista deles. Os costumes, os prazeres públicos haviam sido ajustados ao tipo de vida próprio para as pessoas maduras, e eles tinham de se contentar com as zurrapas que estas lhes deixavam ou lançar-se às estroinices. Até no vestir viam-se forçados a imitar os velhos: as modas estavam inspiradas na conveniência da gente maior. As moças sonhavam com o momento em que se vestiriam "à vontade", quer dizer, em que adotariam o traje de suas mães. Em suma, a juventude vivia a serviço da madureza.

A mudança operada neste ponto é fantástica. Hoje a juventude parece dona indiscutível da situação, e todos os seus movimentos vão saturados de domínio. Em sua atitude transparece bem claramente que não se preocupa o mínimo com a outra idade. O jovem atual habita hoje sua juventude com tal resolução e denodo, com tal abandono e segurança, que parece existir só nela. O que a madureza pense dela não lhe importa um caracol; mais ainda: a madureza possui a seus olhos um valor próximo ao cômico.

Mudaram-se as tornas. Hoje o homem e a mulher maduros vivem quase sobressaltados, com a vaga impressão de que quase não têm direito a existir. Advertem a invasão do mundo pela mocidade como tal e começam a fazer gestos servis. Desde logo, imitam-na no trajar. (Tenho sustentado muitas vezes que as modas não eram um fato frívolo, mas um fenômeno de grande transcendência histórica, obediente a causas profundas. O exemplo presente esclarece com exaustiva evidência essa afirmação)."
(Jose Ortega y Gasset, El Sol, Madrid, junho de 1927.)

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